Total de visualizações de página

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Por testemunha o Divino

O Divino preso à porta observa a mulher parada
o Divino olha a mulher - a mulher olha pra nada
tem pendentes os seus braços
vazios do filho não vindo
e em seus grandes olhos baços
repousam águas de um rio
os cabelos lhe aureulam a face
já um tanto descarnada
são vigílias noite à dentro
são preces na madrugada
e a esperança pende à fio
Suas pernas se estendem
por sobre as estradas vazias
os morros as serras as valas
e no ventre que acaricia
acalanta uma vida passada
A mulher tem corpo morno
onde ainda esbraveja o calor
de uma esperança indolente
de um resquício de seu amor
O Divino olha a mulher
que se lhe ajoelha à frente
mas só a fita constrito
penalizado, silente
O destino dos caminhos
pertence só ao viajor
e voltar para seus ninhos
é de alguns filhos um ardor
Porém a sorte é madrasta
e nem sempre isso se dá
Então à mulher parada
na janela junto à estrada
só cabe mesmo o esperar.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Embriaguez

Gosto de pensar em ti
quando tenho nas mãos vazio um copo
o corpo doendo de fome e apenas tenho por consolo
fazê-lo dormir
Gosto de pensar em ti como quem pensa em nuvens
numa aflita pressa ante ao que se desfaz
e deixa aquela interrogação no olhar
Assim vou pensando em ti como quem não sofre
porque se traio a dor pulgente como aplaco
a iminente inundação?
Por isso é que gosto de pensar em ti
como se tivesse valido a pena sem me convencer muito disso
porque sou péssima perdedora e aviso
só penso em ti porque insisto
em não me deixar abandonar e resisto
ao impetuoso desejo de procurar de novo
um único gosto este toque o teu cheiro
que faz meu copo transbordar.

Malas prontas

Não parta assim, de mãos vazias
leve um pouco de poesia que sua vida agradece
quem sabe floresce alguma nova emoção
neste território escuro da sua alma
Espere, não vá ainda,
leve música: música para que vc possa dançar
enquanto outros apenas andam pela rota como que marcados
assim vc se perde na melodia e reinventa a canção
sempre há chances de algo aí dentro se quebrar e poder se remendar
ao som de um violão, um piano, um violino
Não saia escondido
você não foi bandido - eu lhe dei meu coração
porque eu tinha um pra dar, que bom!
Mas não se acanhe - abocanhe um tanto de consideração e doçura
tenho tanta que não me falta
e você certamente, fatalmente, eu diria
vai precisar aprender a usar
A pressa é inimiga da afeição, da contemplação, da rima.
Não estou aqui pra lutar: vê? Depûs todas as armas
só você se põe em guarda, mas eu entendo - quem tem muito pouco
teme o assaltar
mas, olha, só de assalto se descobre a paixão.
Então...agora vá.
Multiplique o recebido e você descobrirá
que a maior dádiva de viver um grande amor é saber o libertar.
Já que eu não deixo você dormir e você não permite que eu o ame,levante,vamos contar estrelas! Se o sonho é frágil espuma e seu gosto incerto,desfaz esta espera e me espreita no teu peito. Eu quero este cansaço que vc tenta disfarçar;me deixa pelo menos ninar os teus sentidos. Acordado ou adormecido,se dê por vencido e vamos contar estrelas - buscar na nova manhã uma outra história,minha,sua,nossa.
Não há nada que eu não revele, no olhar, no toque, na pele. Transparente, sou tudo, menos indiferente ao me que serve. Não há calor guardado,não há desejo ilhado,não há mistério. Gosto do lótus que a luz desperta e ele se abre,se entrega,se diverte em se revelar sem cobrança ou esperança. Não há nada que eu queira e vc possa me dar.Eu pego.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Eu quero a menina de cara suja - brigadeiro de panela - a menina magrela que ventava casa a fora casa a dentro; menina que de tanto sonho e pensamento, ganhara o direito de participar dos voos passarinho, menina que tinha dedo de colher flor, boca de falar cantiga, ouvido pra ouvir papai noel chegando; menina velha, de olho atento no morto que passa - passou - menina de dentro da foto amarelada na prateleira da tia

Batidas de um coração

Eu não sei quem tanto bate...
bate a porta do meu coração,
com violência tamanha,sem dó ou consideração.
As dobradiças
bambas,
parafusos pelo chão,
descasca-se a tinta sentida,
desfaz-se o portal da ilusão,
batendo-se, incansalvelmente,
porém,
não sem dano aparente,
na face da minha desdita,
troçando da cantiga sofrida de quem fechou-se a penar
Por que a porta arremessada,
com força desmesurada,
com ganas de destruição?
Deixa quieto este quarto pequeno,
deixa um pouco sereno
um guerreiro repousar
que as botas lhe estão gastas
que as suas armas são castas
que doce é deixar-se amar.
Então quem bate esta porta, em vias de destroçá-la?
Descoberto, o ventre exposto
vai o alcança-lo o desgosto
e, mesmo vendo-lhe o rosto
não o poderá poupar.
Mas bate a porta uma duas vezes sem conta a afronta
tento em vão eu mesmo acalmá-lo
embora não tenha reparo
este seu me abandonar.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Eu tenho estas coisas entulhadas no meu peito,e as vezes não sei direito como coube tudo aí, num andaço prolongado, num atalho mal cortado, um labirinto. E me ressinto de minha confusão. Pressinto, por vezes, que não vou conseguir achar, nesta louca pressa, ao esquadrinhar estas ilhas internas, um esboço de alegria, um vulto familiar de poesia, um perdão...Ai, pobre da esperança, jogada em algum canto deste bagunçado coração

quinta-feira, 8 de julho de 2010

De manhã

A manhã entra porta a fora
nem me salda direito e já vai me aquecendo nos seus braços de sol
ou emoldurada de chuva
me lava a alma e a noite dos olhos
Nos cabelos as revoadas das aves matinais
um ensurdecedor som de vida brota de sua boca
e ela se ri de meu molejo meu lerdar
Entre os seus seios, um cheiro de ruas de pó de frutas mesclado a desejo
um irreprimível desejo de imprimir mais um dia em meu contexto existencial.
Sua veste, diáfana
bordada de sonhos a realizar pessoas a conhecer formas a redescobrir
projetos e planejamentos a cumprir
Ela sempre me chega assim trajada para sair
e me arrasta sem permissão ou a preocupação de me questionar
se quero segui-la
mas não posso decididamente ressistir a ela
generosa farta voluptuosa manhã
Apesar das suas promessas que não se cumprirão
das metas que não serão alcançadas
das frustrações
das estradas que não trilharei uma vez mais e
talvez
até de não poder vê-la mais amanhã
me deixo envolver por ela qual a entrega ao amor
entre torpor entre delícia e dor
sempre persiste por ela uma inabalável fé quando me chega
embalando um novo alvorecer!

terça-feira, 6 de julho de 2010

O que não volta...

A pedra atirada
a palavra proferida
a fera desperta
a carta aberta
a cria parida
a maldição cumprida
a saliva trocada
o sonho abortado
o tiro disparado
as águas do rio
o selo rasgado
o pensamento pensado
a raiz cortada
a fruta colhida
a hora passada
a foto batida
o voo impedido
o pranto chorado
o olho vazado
o filho perdido
a asa arrancada
o beijo roubado
a alma violada
o segredo repartido
o desejo saciado
o fio da vida - rompido.

Nostálgica

Do outro lado da rua, o vejo
Entre nós, fluem carros alvoroçados num frênesi no asfalto
Impiedoso, o sinal é totalmente indiferente à minha aflição
minhas mãos estão alertas
minhas pupilas muito abertas reafirmam a visão
de que é ele do outro lado desta rua
Minhas narinas farejam por mim neste outro
e parece que um alarme estridente soou aqui nalgum lugar
pois tudo em mim desperta num brusco surto
um tranco
no estômago e na memória
Vejo o tempo ao lado dele me encarar
e me mede me testa me afronta
por ele passamos correndo contra nós mesmos
como ratos tontos num labirinto
agora o tempo se arrasta entre nós quase rasteja - cobra
E vem o bote:
seu olhar atravessa a rua e bate no meu rosto
me chega como uma lança fazendo música ao cingir o ar
Tudo fica suspenso
Não me atrevo ao espanto tomou-me um espasmo
reconhecer-me-á?
Revelando o antigo sorriso, constato:
de fato, almas gêmeas peregrinam por este lugar.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Caçador e caça

Alivio a tensão.
Relaxo os olhos.
Respiro.
Devagar, os dedos se mexem.
Testo os reflexos.
Domínio.
Mas não me levanto - as pernas me faltam.
Para prosseguir, é preciso querer.
E de tanto querer, adoeço.
Fascínio. Isso, do querer.
Torna os destinos complexos.
Meu próprio coração, e eu, o desconheço
as veias saltam.
Na sua presença, não há escapatória:
estou nua, crua, no avesso.
Suspiro.
Sou uma nau rumo a Abrolhos
o impacto é inevitável - também o naufrágio.
Entre uma transpiração e uma aflição, um único estágio:
martírio.
A paixão é combustível
altamente inflamável!
- implacável no seu devastador consumo.
Engatilhei o desejo: atiro.
Depois de abatida uma presa
sucumbe toda desavença.
Deliro.
É viciante perder o rumo.

Aniversário

Vou rasgar o papel,cheirar fundo dentro da caixa.Vou enrolar a fita no pescoço,como adorno,como coroa de louro:troféu.Assim que abrir o presente,farei diferente:distribuirei seu conteúdo,sem dó ou economia!E será este presente de felicidade tanta,de tanto festejo e celebração,que jamais me despedirei desta certeza-de que minha vida só tem sentido se for repartida!