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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Imortal

Sou eterna.

Eterna no gesto calculado quando a mão acena uma despedida encenada.

Eterna na obscena mania de desejar, provocar e não entregar nada.

Eterna na lembrança frouxa de quem me teve, de quem eu tive, sem nem saber quem era. De uma eternidade quimera, uma quase mortal desdita de ensaiar a vida e não chegar a documentar a verdade.

Eterna rosa de uma outra primavera, anterior as coisas todas que passaram por mim. Doçura eternizada da tatuagem deixada pelo meu batom carmim, selada com uma mentira, que não procria, mas na hora bem que satisfaz esta eterna vontade que a gente nunca sacia, porque se vicia em eternizar o prazer.

Eterna cristalina cápsula parada dentro do tempo que corrói as coisas todas, sábias e tolas, feias e belas, nossas frágeis alegrias, nossas torturantes mazelas.

Eterna dentro de um intervalo inventado, num momento ensaiado para não terminar jamais.

Eterna devoradora das mentes, das falas, das palavras mais solicitadas pelo meu coração.

Amante eterna sem nenhuma eterna paixão. Entre o espaço e o agora, apenas eternizo-me na hora "h".

Ser eternizada em minha semente,célula pulsante,íntima e no entanto estranha,independente de meu ser originário, mas que me preserva em codificada e genética memória, em meu passeio por aqui, em breve história, somado a outro tanto que me antecedeu.

Porque, o que de eterno subsiste é a triste sentença de que a imortalidade é doença - só a impermanência, a inconsistência, a temporalidade, podem nos fazer, na nossa humana fragilidade, desfrutar as coisas que realmente nos importa eternizar.

Eterna sou. No presente.

Porque eu gosto de pássaros.

O pássaro morto é preto, é grande, é frio.

Não vejo nele sinais de menino, de gato ladino, de alçapão.

Ali, sobre a grama,parece ter sido acomodado por uma invisível mão...

Jamais saberei o que o vitimou. Em minha mente inquieta, apenas posso desfiar supostas possibilidades:

seu olho vidrado, ficou fixado no galho que nunca alcançou

na sua retina reflete-se a luz que, repentina, em meio a um rotineiro voo, apagou

sua asa, forte, experiente, quedou-se,repentinamente silente, e em pleno ar o bater cessou

alguma estranha doença, sem marcar-lhe a aparência, na sua garganta a mávia voz calou

ou só estava cansado de tanto voo travado, de canto mesmo engasgado, das fugas de todo dia,

e a morte se apresentou.

O pássaro aconchega-se num ninho de galhos secos, tramados pela ciência do ventos matinais e das curriolas das águas

Numa promessa de longos pousos ao sol, de sofridas noites de tempestades, numa busca incessante de comida para dar continuidade aos filhotes

o pássaro repousa

E aqui minha singela homenagem a uma, entre tantas existências,

que passa sem registro pelos anais da Humanidade
O homem caminha na terra como quem não mora ilhado.Todo recurso é limitado.Mas sendo fechado em si mesmo, usa tudo descuidado: mata bicho, fere floresta, sangra a nascente do rio, fecha a boca da cachoeira, polui o que era sagrado. E aflito, ao final do dia,grita aos céus,desesperado: "- Por que me abandonou o Senhor?" É, está é difícil pra Deus, coitado!Para o filho oferece fartura, mas ele se faz de vitimado...
Dias me chegam, trazendo em si, um quê de rancorosa saudade. Presa sou de seu enredo, meio sofro, meio ao enlevo, da recordação querida. Se me chega assim, dorida, é porque, na despedida, não se deu toda a verdade. Ficaram beijos renegados, abraços por serem dados, palavras por serem ditas...
Me ensurdece este silêncio brotado dentro em mim.Outro tempo,outro espaço,outra proposta.É preciso calar a alma para se escutar assim:o compassar aveludado do sangue sendo levado aos meus recantos selados,as batidas tão calientes são as brasas incandescentes - meus glóbulos cor de carmim pulsando cárdio músculo,o ar que põe e retira meu início e meu fim.Me sinto tão viva,que toda a hora está morta:vivo só para mim.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Maré alta

As vertigens voltaram - respiração ofegante, suor abundante,
ausência, estranhas imagens
Voos sem pouso, cabeça sem amparo, flores de maio em agosto
Ao observar meu próprio rosto, me traio:
estampado no olhos o desgosto por mim mesma
Antevejo temporais
As vertigens já não me surpreendem mais
apenas se instalam como aves da estação
e eu já não faço mais o antigo esforço
para recuperar o controle esperado
não ensaio mais falas nem comesuras nem me incomodam as vaias
desta sociedade absurda
Sinto os meus ossos minhas carnes meus nervos
sinto-me toda em entorpecido enlevo
quando me solto na torrente destas complicadas redes
de minhas comoções
As vertigens são tentativas de fuga de um tormento pessoal
forçar-se a sair de si mesmo por um tempo buscando amenizar sofrimentos
que não se podem ignorar.
Pago o preço do meu temperamento desassogado,
do meu amor acelerado, da minha fome de gentes e por novos vendavais.
Sou um navio à deriva, amarrado em seu velho cais.

Pela retina

Noite.
Luz escassa, mulher devassa, impaciência
sirene de bombeiro, alguém canta no banheiro, sonolência
A vida que se turva, a espera além da curva, porta trancada
o gato no telhado, o cão abandonado, a calçada esburacada
Barulhos que assustam, pesoas que estudam, bebida descontrolada
um carro de polícia, um vulto na esquina, um baque surdo
Uma mulher apressada, gente na balada, alguém pixando o muro
lua destonada, bêbado na enxurrada, sono absoluto
Espera da madrugada, vontade de não fazer nada, escuro
melindres de vampiro, povoam-na suspiros, almas penadas
Namoro no portão, comida requentada, lojas fechadas
As vezes faz calor, as vezes falta amor, as vezes chove.
Tudo no mesmo lugar.

Conversa íntima

Venerável senhor, Meu Coração, desculpe vir a estas altas horas o incomodar,
mas é o que seu silêncio me deixou preocupada e, como não estava fazendo nada,
pensei vir por aqui e ver como está...
Sabe, sua porta está fechada e fiz eu mesma, uma força danada, pra desemperrar
já nos conhecemos há algum tempo e se por acaso, algum grande ressentimento,
o fez hibernar assim, erguer um muro, calar sua voz,
sinto que esta situação deveria ser partilhada, no mínimo, entre nós
Afinal, sabe que lhe tenho apreço e o seu descaso com tudo eu não mereço,
uma vez que do resultado disso vou participar!
Olhe, a vida é complicada - amor, então! Nem digo nada,
mas o bom disso é se arriscar! O senhor, certamente, não é lá muito diferente
de outros corações que acompanho e, se ocorre algum dano, acredite,
sempre um jeito qualquer se pode dar!
Mas trancar-se assim pra novas oportunidades, não perceber que a idade de ouro o chama,
e não permitir que seu potencial proclame o que pode proporcionar,
é um crime, um vacilo - na gíria mais corriqueira - uma besteira sem par!
Tem tanto coração por aí carente e desocupado, tanto amor pra ser vivido e provado,
o senhor nem pode imaginar! Então, me desculpe a sinceridade,
mas não tem mais idade pra devanear, chorar pelas ilusões, pelas fantasias.
Já desfrutou de muita alegria, é rico e pleno, tem terreno pra plantar
um querer maduro, seguro, sem arrependimentos, um poder, sereno,
de se entregar e viver, sem medo nem culpa, a tal da felicidade.
Dito isso, boa noite, passe bem, não se esqueça de que lhe quero bem
e de que espero
alguma boa novidade.

Parco esboço

Desenho lentamente o contorno do teu rosto:
sempre me vem à mente aquele sorriso
espesso e morno, leite quente
aquela pele amaciada pelo contato permanente
com o vento e o por-do-sol
e estes olhos muito abertos, fixados sempre à frente
irradiando rara luz, faróis sobre um atol
Desenho teu rosto a lápis
porque um esboço segue o outro, incontinente
e não chego a uma conclusão da tua boca, oferecida
como uma rosa que dorme, enternecida, num vaso de cristal
A linha do teu queixo, muito reta,
e tua testa larga, umidecida
por uma fonte estranha e secreta
de onde brota, quase pressinto, a seiva da tua vida
as pálpebras pesadas, de noites prolongadas
que quase adormecem sobre a retina comprimida
Desenho o teu rosto porque não posso ter
o deleite de tocá-lo sem me acontecer
de novamente ser tomada pelo destempero
de abandonar de vez o esboço pelo teu corpo inteiro.

Roleta russa

Você não deveria me deixar partir assim, tão tonta, tão solta no nada,

porque afinal um dia eu dei pousada ao seu coração

me deixar assim, com os olhos embaçados e estas imagens difusas

de retratos instântaneos de nós dois, dentro do carro, embaixo de chuva, na noite calada

me deixar sem referências...até minhas preferências estão associadas

ao que você gosta e aprova

Eu, que fico tão sem sentido quando não me sinto amada

me deixar assim, nesta cama grande demais, neste quarto frio demais, neste vazio

e sabendo de mim como sabe, que me ressinto diante da menor saudade

Eu, que já fui espaço do seu sonho, repouso do seu cansaço, seu festejo

me vejo, de repente, borboleta desalojada da crisálida,

com asas ainda por desvendar

Você não deveria se precipitar - e se você descobre

que a nuvem que encobre o sol se desfez e, num lampejo,

reaviva-se por mim o seu desejo, como é que vai me achar

no meio do redemoinho, nas curvas deste longo caminho,

que se abriu a nos afastar...

Saberá encontrar meu rastro, recordará meu perfume, meu lume

e, se estarei esperando o fim da tormenta, sedenta, ainda, de você

Vai se arriscar

vai me testar

vai brincar, uma vez mais, com a sorte...

Porta de saída

O meu cabelo me incomoda, de encontro ao vidro, me cobrindo o rosto

me incomoda o vidro que me espelha, baça visão de quem eu fui um dia,

me incomoda e me alivia, no entanto, ter esperado mesmo sabendo que viria

aquela resposta seca, aquela choradeira,

aquele medo insano, aquela cadeira

vazia,

dia e noite, num canto.

O meu joelho me incomoda, doendo sem razão, me dificultando o passo,

me incomoda o passo dado com vacilo, andar meio atrapalhado do meu desatino

me incomoda e me alivia, entretanto, sair daqui agora, sabendo o bem que faço

ao deixar um espaço para um outro alguém.

O meu olhar me incomoda, fixado neste ponto da história, congelado na memória

me incomoda não descartar de imediato a coisa, ato por ato,

me incomoda e me alivia, por enquanto, ter deixado a covardia do lado de fora

e assumido, que o melhor que faço,

é mesmo ir embora.

Cilada

Inverto a polaridade - adoro uma novidade - deixo você no ar

desmancho o que havia feito, invento um novo defeito, só pra lhe provocar

não dou tempo ao estio, mudo de novo meu cio, agora sou eu a caçar

Redijo um novo contrato, repenso se fico ou se passo, mexo com seu equilíbrio

me visto quando despida, escondendo, embaixo da sua vista, o segredo pra me domar

no claro, fecho os olhos, no escuro delato as pupilas, só vejo o que desejo

Você gosta de surpresa e comigo, com certeza, nunca sabe como vai acabar

me despeço sem estardalhaço, nunca me prende um abraço, não tem nada que me compre

pra você só apareço quando estou sem endereço pra de novo me mudar

A vida me foi generosa, me presenteou, dadivosa, com um veneno que corrompe

mas se ficar assustado, basta ficar bem calado, deixa que vou lhe guiar

conheço muitos caminhos e não sou de poupar carinhos quando disposta a agradar.
Num recôndido de estrelas, escondi, nos entrelaces de um poema, todas as minhas velhas faces. Depositadas no infinito, banhadas num beijo proscrito, resolvo sepultá-las. Já eu mesma não podia, em plena luz do dia,conviver com tal impasse:um amor já natimorto, merece outro desgosto?! Carpe diem. Que repouse, em face de minha maior alegria: um disfarce.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Tudo cabe na canção

Uma nota só compõe a música de minha vida.
Uma nota bem marcada, bem definida.
Uma vez postada a nota,
empresta sonoridade sofrida ao desdobrar desta pauta
onde se entoa o momento.
Clave diante da porta, barrando do som a saída.
Mexendo muitos compassos, traço um espaço seguido de um valsar quase ensaiado,
num ritmo improvisado pra dar gosto a esta desdita.
Apenas sonho o instrumento - e a minha platéia entretenho.
Mas o ritmo, embora escasso,
não me permite descaso - tomo os parceiros nos braços e reescrevo a canção.
Uma nota só entoo, mas faço estender a emoção até os confins do espaço,
até que no total cansaço me surpreenda sinfonia,
de uma única melodia,
numa eterna composição.
Diante de minha janela, mora outra janela cinza. Por mais que o dia colora, ela não muda de tom. Seu vidro está sempre embaçado, o que faz ver o mundo nublado e as formas sem definição. A janela não abre nem fecha, permite só uma brecha pra que o sol não se atreva. A cortina, desbotada, pende, desanimada, sobre o peitoril sem flores. Quantas janelas na vida. Quantos vidros sem clareza. Quanta oportunidade perdida...
Nem mais, nem tanto menos - sou completa em minha essência. Dotada de alguma demência, porque preciso arriscar. Mergulhada em água fria, escaldada para a confiança desmesurada, uma guerreira guardada no peito que ainda trepida. Mais vestida quando despida, no olhar sustentando a resposta, sou do tipo que aposta e vai c...onferir o ganho. Me arranho, me lanho, apanho - mas volto pra me celebrar!
Verdadeiramente tua, desarmada e desfolhada, uma rosa inofensiva dos espinhos despojada. Verdadeiramente amada - crença tola, exagerada, ilusão ornada de fantasias pueris - que me importa? Se cercada no enlace do teus braços eu me faço plena e inteira e, despida de minha falsidade costumeira, posso ser apenas gozo e luz. Mulher alada, fêmea saciada, caçadora abastada que celebra a derradeira aparição de Vênus.
Devolvo-lhe as cartas,as fotos,as farpas.As escapadas regadas a mentiras infantis. Devolvo-lhe a necessidade de ar,os telefonemas sussurados atrás das portas espessas.Devolvo-lhe o enorme peso de dias sem paixão,de noites insones e bordões cheios de culpa.Devolvo-lhe os lençóis manchados,as canções complicadas,as rosas... secas.Devolvo-lhe a dignidade de não ter de fingir um grande amor.Eu,eu fico bem com a minha dor.
Na escuridão mais densa,ela se desfaz do que pensa e dança, nua.Solta as pernas bailarinas,as mãos ganham vida própria e volteiam no ar, mariposas enfeitiçadas. Os olhos vidrados de lume, seu corpo todo um perfume de desejo exala. E ela entorpecida, pela lua envolvida, desliza, volteia, alada.Lotús desabrochada, do xar...co ressuscitada, deusa dos vagalumes. nesta dança intrigante,tudo silencia ante esta cena inusitada.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Maré alta

As vertigens voltaram - respiração ofegante, suor abundante,
ausência, estranhas imagens
Voos sem pouso, cabeça sem amparo, flores de maio em agosto
Ao observar meu próprio rosto, me traio:
estampado no olhos o desgosto por mim mesma
Antevejo temporais
As vertigens já não me surpreendem mais
apenas se instalam como aves da estação
e eu já não faço mais o antigo esforço
para recuperar o controle esperado
não ensaio mais falas nem comesuras nem me incomodam as vaias
desta sociedade absurda
Sinto os meus ossos minhas carnes meus nervos
sinto-me toda em entorpecido enlevo
quando me solto na torrente destas complicadas redes
de minhas comoções
As vertigens são tentativas de fuga de um tormento pessoal
forçar-se a sair de si mesmo por um tempo buscando amenizar sofrimentos
que não se pode ignorar.
Pago o preço do meu temperamento desassogado,
do meu amor acelerado, da minha fome de gentes e por novos vendavais.
Sou um navio à deriva, amarrado em seu velho cais.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Um desejo é uma rosa

Um desejo não é muito mais que um momento em que se para de racionalizar o instinto. É uma brecha no tempo, é um alento se deixar tomar pelo apelo, pelo impulso, pela entrega - forma de rosa indecorosa que entre os seios se aconchega. Peleja de amor.Um desejo não é muito mais que um momento em que se para de racionalizar o instinto. É uma brecha no tempo, é um alento se deixar tomar pelo apelo, pelo impulso, pela entrega - forma de rosa indecorosa que entre os seios se aconchega. Peleja de amor.
Na noite, sou só espectro - impressão de presença que assombra e se retrai.
Respiro baixo, me movo pouco,
como um louco
que num gesto mal pensado, se trai.
Espreito seu sono,
seu sonho cobiço - atiço o fogo que dorme em seu olhar.
Na noite, sou bicho sem dono,
sou falta de sossego,
sou apego
ao que mais não há.