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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Lavradio.

Desço o Lavradio - acompanham-me todos os fantasmas

carregados vestidos assombreados pelas aléias, cartolas e casacões vergados sob o sol carioca

os casarões jamais despem o orgulho e a soberania

escalam-nos heras, cipós, singelas trepadeiras lhes dão um adorno singular

Ao ver-nos passar, mais se aprumam em sua histórica nobreza

e o perfume de coloniais memórias suplanta os manacás dalgum oculto jardim

Os antiquários ali resistem, bravamente

e os lustres, o mobiliário, as porcelanas e jarras

são irretocáveis

Um túnel do tempo uma viagem vívida de algum presente passado

e o toque de meus saltos sobre as pedras rústicas criam uma musicalidade única

Sentamo-nos por um momento

para que não se perca a magia desta vivência oportuna

de espectros amorosos debruçados nas sacadas empoeiradas e silentes

e meu coração, pleno de afeto, é uma transbordo de saudades de algo que nem sei se vivi

mas que me preenche com tal leveza, com tal familiaridade

que estou em casa. Estou em casa.

Pérfida lucidez

A doida avança pela rua com os cabelos emaranhados

as mãos retorcidas e insones

os olhos gastos

Na presença da doida os pássaros se alvoroçam

crianças troçam maldozamente uma maldade só das crianças

nem os cães a perdoam não a permitem não a respiram

A doida traz o medo do contágio

traz o confronto com o meu outro

Pelos trapos coloridos que lhe recobrem as partes

veem-se caminhos tortuosos e sujos

restos latas rostos esquecidos e confusos

A doida geme

e seu gemido faz doer a alma faz secar lama faz cruzar a esquina

para não cruzar com a doida

A doida

vai arrebatando olhares cheios de pavor

da possibilidade tão comum

da demência.

Ecos

Tolerância.Constância. Envolvimento.

Compromisso, sem permissão para arrependimento

Virtudes de sobra, tempo de falta - descontento

Fidelidade virou palavra fora de moda. Como

o ser humano pode ser tão desatento para o que faz

o firmamento

firmar.

Integridade. Gentileza. Boas maneiras.

A vida alheia é sacra como um altar

Nossa inócua intromissão no momento do outro

é um desgosto.

O meu limite é

a cerca emocional do vizinho uma

desforra no meu próprio espaço

Por que a felicidade alheia

incomoda

Por que eu não tenho tempo só

na minha hora

Compaixão. Enternecimento. Ética.

Gastei muita dialética pra

falar do que é óbvio, do que violenta meu

horizonte

próximo.

Por onde anda (andará) nossa (minha)

humanidade

Valores que me valem só

por perto

pra dentro
Meu coração é um labirinto de inúmeras portas, de muitas enganosas voltas, de surpreendentes armadilhas e fáceis entradas. As saídas são ciladas que fazem voltear no mesmo lugar...Meu coração é uma coisa amante, armada, pensada pra aprisionar.
Num espaço curto, uma vida explode, a alma se estira sobre um céu disforme, um sonho pesado, prensado em forma certa, do tamanho marcado pra se refazer. Uma história seca, uma margem larga, um corpo fechado, marcado pelos astros pra sobreviver...Os astros brincam de destino - desatino de deuses.
O relógio me cobra a partida - retardo o movimento, gesticulando lento e sofrido, gesto medido, arranhando o tempo. A garganta sofre - seca, ardida, agoniza a palavra contida, macilenta. E meu olhar é um jardim aberto sem borboletas...O que eu espero? Uma certa urgência de afago, um rasgo na palavra despedida, um bálsamo na ferida do abandono...