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sábado, 11 de dezembro de 2010

Procissão

Percebo-me pronta para a coroação:

crianças são anjos encharcados de festa

e a rua das pedras alisou as peles negras e brancas

num tapete olírico e único

a santa, ah! a santa

aprecia tapetes e coloridas bandeiras nas janelas

e o mar de olhos a exorta ao êxtase

só a fumaça do incensário enfeia o azul

mas reporta-nos ao divino

e a alma floresce de um jeito manso e bom

nas floradas sobre as quais pisamos

a suprema lição:

perfumar o pé que lhe comprime junto ao chão

casas sorriem incontáveis

num aroma que remete ao almoço no fogão

não há homens nem mulheres

-só devotos de coração alargado

e os hinos acordam as memórias

que marejam os olhos de todas as gentes.

Enfim, cruzamos o pórtico da singela capelinha

e a santa sorri, ornada de preces

Identidade

Tantas vezes, frente ao espelho, a pergunta

quem é?

Muitas numa imagem que nenhuma o é

absoluta

a santa, a puta, a servente

a mãe, a avó, a neta

a mulher que partiu e a definitivamente presente

a poetisa sem rima, a cantora de chuveiro

a alfabetizadora, a enfermeira de plantão permanente

a chefe de cozinha, a que lê à noite sozinha

a plena, a carente, a leoa, a serpente

a gata em teto de zinco quente

odalisca sem véus, irmã de alguém, a indiferente

um exército de guerreiras empunhando lanças

uma onda fresca que avança no homem eleito

um vendaval que derruba as barreiras

e, perdidas as estribeiras, vira tufão

docilidade de gueixa regada ao cheiro de café

mãos postas em oração ornada de altar

torra pão, frita o ovo, põe o jantar

adormece de cansaço no regaço do sofá

quem é?

a que passa, a que permanece,a que perdoa

mas não esquece - não

todos os dias visto estas mulheres

e me avisto em cada uma

que fica depois do meu portão.