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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Gosto de uma noite sem legendas

Estes pedaços me incomodam

espalhados sob a minha pele e tão aguçados

tão plenos ainda de aromas que foram deixados

lá trás

Me sinto deveras desconfortável

com esta voz estagnada na porta dos sentidos

me fazendo a garganta arranhar

e matando as canções que fui capaz de decorar

Eu estava plena pronta atenta

mas meu suprimento de amor em baixa

me expôs

Que raiva

sua saliva ter sabor próprio

sua textura ser tão viciante e cínica

você ser tão desconcertantemente essencial

perplexa

assisti você me chafurnar a alma

violar o receptáculo do meu peito

e se expandir como uma raiz, em silêncio, sem descanso

enquanto exalava um pretexto de promessa

um olho de pedido adocicado

sem professar palavra

Então

bem-vindo o fim de tudo isso

porque assim deve ser: começa e termina

sem muito se ter onde se segurar.

Pra quem já teve (?) um grande amor

E

tem aquele amor que nunca vai embora

aquele tipo de amor

que faz você se envergonhar por sentir tanta inveja

quando vê dois jovens agarrados contra o muro

ou

alheios ao óbvio e indiferentes à fragilidade de um segundo

se sentarem abraçados

quase entrelaçados

tão imersos um no outro

que o mundo já não lhes convêm

ali, num banco de jardim

Aquele amor que não se gasta

que não tem consolo curativo de amigo que dê jeito

que não há outro amor que dê jeito

que não tem tempo que por mais que passe dê jeito

Um tipo de amor que quando acabou

fez você jurar que ia morrer e...

droga! Você não morreu

e outro, o outro também não morreu

A vida seguiu como nada tiveste visto previsto programado

as canções como se não tivessem sido balbuciadas

as mãos como se nunca tivessem ficado embaraçosamente suadas

as esperas como se nunca tivessem parecido eternas

escritos não tivessem sido todos os poemas

incontáveis juras não tivessem se acasalado à alma

ou a respiração tanta vezes parado – parava, eu juro!

Aquele amor que você deseja uma vida inteira conhecer

e daria a sua vida inteira pra não ter sentido

porque cala tão fundo, tão vívido, tão amargo

que é bom, é muito, muito bom

mas de que você nunca terá certeza

absoluta certeza

se não teria sido até melhor não o ter vivido...

Em algum lugar aqui por dentro

Sempre houve este lugar

e dele é forçoso dizer

que nada o preencherá

uma paisagem de lastros firmes chão exato

sem muitas coisas a enevoar ou ludibriar seus percalços

uma paisagem

que orgulhosamente ostenta vales e cumes

numa singular propriedade sobre o espaço

nada ali convida ao ficar

porque há segredos que adormecem sobre sua tez

e nasceram para isso - serem sepultos e sós

nada ali convida ao frutificar

porque ali desovam as desilusões

e elas têm vergonha das verdades veladas

Nesta paisagem o que encanta o olhar

é o mesmo que nos encanta num deserto

- a certeza duma fonte oculta sobre a areia que escalda

enquanto range os dentes ao viajor

e em seu céu despovoado de estrelas

uma desmesurada lua faz as vezes de cortesã

- compensações de uma tela sem retoques

Nem todo ouro compra nem toda mulher trai

nem todo solo é fértil nem toda carne cai

nem todo amor é eterno nem toda dor se vai.

Mas num campo como esse

sempre há espaço para mais que uma divagação

Beira de praia

O mar é uma extensão dos meus membros

um estiramento dos meus ossos

sempre estive lá como ele com ele nele

uma profunda comoção me acerca quando próxima a ele

útero mórfico plano insustento abraço de rochas

um mar já vivia dentro de mim antes de mim

e sua salobridade me vem a boca até sem o querer

- quase transbordo corais e sereias

suas areias são contas de contos de um sinistro rosário

alardeiam filamentos de corpos e preces por retornos

nada me passa desapercebido quando nele me deposito:

aves, vultos de peixes, orgia de algas, cheiro de terras

um eu que não é meu, que sempre foi dele

- o vento que lhe encrespa a face é o vento que me afaga

é desta fúria dos elementos que se embebeda a alma

e é nele que ela hiberna durante os malogrados temporais

O mar sempre coube em mim - mistério!

Mudam as estações e os homens

mas a sua impermanência é um alento

neste mundo de coisas rápidas e descartáveis

no seu plano de existência a lição da transitoriedade

é a regra da casa

dá-se, generoso que é, todos os dias ao céu por espelho

ele é o único que me rouba os olhos

que me quebra a bússola

que me rompe os tímpanos

O mar se confunde com esta minha momentânea estampa

e qualifica minha concha me ornando de cal e sol.

Na travessia

Eu me imagino doída

já que aquela cicatriz se transformou numa libélula

meu braço alcança minhas interrogações

- rodopiam como moscas ao meu redor

mas ele não as distrai

estou em profunda ebulição

sei disso porque meu coração arde

e a janela já não me detém:

voo cada dia voos mais distantes

e demoro cada dia mais para voltar

As coisas que a gente inventa pra calar

o que alma berra...e não cala

Eu acenderia um cigarro agora - mas eu não fumo

então rabisco coisas sem compromisso num papel

sempre fico assim quando o sol me chega

rasgando as pupilas avançando pela garganta

me lembrando que preciso arrancar outra folhinha

deste calendário interno

as minhas perguntas estão cansadas de si mesmas

quem pode culpá-las?

É da sua natureza de existir

sem respostas

como é da minha natureza de existir

parí-las sem parar, ainda que exausta

Eu gostaria de ser uma ilha

e abrigar um naúfrago de amores

eu o alimentaria - como não posso fazê-lo por mim

e veria os dias atravessando o tempo em seus olhos

(é bem fácil quando é na pele dos outros)

Mas sou uma ponte, não uma ilha

e aqui não se detém ninguém.

Por detrás dos dias

Não sei se a manhã é fria ou o frio me percorre a alma

o olhar ainda embaçado não permite distinguir

qual foi o jeito errado em que distendi o músculo do coração

eu quero dançar

na beirada de um edifício no alto de seu 100º andar

pra testar novos voos e gostos e poder olhar

o mundo destas ilusórias passagens cá embaixo

em sua correta dimensão

A pele não me cabe mais e é um desconforto apertar-se assim

como num espartilho mal costurado

e esta cara que teve tantas possibilidades outrora

hoje é uma estranha que me arreganha dentes no toucador

Eu sei que vai passar - sempre passa

esta história de dias mal dormidos e mal acordados

mas é quando tenho mais saudades de um não sei quê

que fica preso entrecortado entre a garganta e a própria voz

Devia ter mais cuidado ser mais seletiva

ao escolher o cenário da própria história que se vai protagonizar

Um dia é uma contenção da barragem uma fragilidade anciã

quando se suspira demais pra se dar conta de outra manhã.

Quando uma mulher ama um homem

O homem que eu amo

é capaz de fazer minha alma alçar voo e dar testemunho da dor do inferno

Só ele detém poderes sobre o tempo

que é veloz ou algoz segundo sua chegada

ele fala comigo num idioma próprio

e meus ouvidos percebem música quando seus passos se anunciam nas escadas

O homem que eu amo exala um aroma inconfundível

que minha pele distingue no escuro sem estrelas

e isso faz um sol de meio dia despontar no meu corpo inteiro

ele percebe minhas fomes e febres

pelo olfato apurado de seu prazer

O homem que eu amo tem dedos impressos nos meus dedos

digitais que se embaralham às minhas e cores de lume

que fazem o mundo mais convidativo ao meu despertar

seu ritmo ao cantar desacelera meu coração

mas seu silêncio me cala a alma e traz o mar aos meus olhos

Esse homem poderia ser qualquer homem que

um dia

se atreveu a mergulhar num instante de sedução

mas não

o homem que eu amo tem no espírito cigano talhado o meu nome

que ele arrancará um dia mas que o marcará para sempre

enquanto minha essência se abrirá numa flor fractal e rubra.

Rebelde com causa

Esperam de mim

que eu tenha formas que não são minhas

modos que são tradicionais

que eu me case de véu e grinalda

que eu fale baixo e não gargalhe alto

que eu saiba andar de salto alto sem virar o pé

que eu leia muito estude muito trabalhe muito

e descubra sem susto que enquanto fazia isso tudo

envelheci

Esperam de mim que eu use o que está na moda

que eu leia três jornais duas revistas um best-seller

que mastigue de boca fechada e olhos murchos

que eu me revele discreta mas sedutora

fogosa mas recatada

humilde mas com aquele certo orgulho sustentado no olhar

Esperam de mim que eu tenha ideias claras

num mundo baço e confuso

que eu tenha uma fé inquestionável

e valores inabaláveis

pra combinar com meus desgostos indisfarcáveis

que eu não erre e se errar disfarce

que eu agradeça sempre

e sorria mesmo se meu coração sangrar

Esperam de mim algo robótico

planejável programável aceitável

Esperam demais de mim

principalmente

coisas de que eu não gosto e que não fiz e não farei

com certeza

questão nenhuma de acatar

Isso de ser mulher

Toda mulher nasce sabendo das coisas do tempo

da hora da germinação das sementes

e é expoente de fé na vida de um homem

e muitas das vezes sua perdição

toda mulher é consumida e se consome

da fome de amor que ela não sacia com ninguém

toda mulher lê nas estrelas toda mulher levita no gozo

e traz em seu corpo o ciclo da lua e das marés

toda mulher palpita ao toque das mãos amadas

toda mulher reúne bruxa e fada

são todas ladinas sereias bailarinas

toda mulher chora por tudo e por nada

toda mulher sabe ser a safada a santa a filha e a mãe

é conto de areia é canto de iara é orvalhada

toda mulher seduz e finge ser seduzida abduzida pela paixão

e toda ela é festa quando lhe aquece o coração o cheiro amado

Toda mulher é solo fértil das ilusões mais infantis

e ela sabe bem o que diz quando diz não

toda mulher é sementeira toda ela ela inteira é criação

ela embala nos braços o filho a pátria o sonho

ela acorda à noite pra convocar os anjos

e solta seus demônios quando ocorre traição

Toda mulher

carrega num ventre lacrado o segredo

do que ainda nem foi gestado

e mesmo sem parir

toda mulher é mãe diante da possibilidade de amar

porque toda mulher

é uma eterna rosa menina em botão.
A fome de amor come todos nós, todo dia...construímos cidades, mas não edificamos nossos espíritos. Damos computadores aos nossos filhos e eles não experimentam o toque do calor humano. Nos isolamos em apartamentos e temos medo de quem nos acompanha no elevador. Estamos todos morrendo de solidão em grandes centros urbanos. Precisamos repensar a vida e as verdadeiras miséria e fome.

Entranhas II

Porque dentro de mim mora a poeira das estrelas
e em minhas células pulsam baleias, aves e morros de uma paisagem distante.
Em minhas veias,
adoça o meu sangue um destino de muitos comungado por um só
e as vozes que soam aos meus ouvidos são chamados de um tempo
em que o vento desfraldava mares e almas.

Esfera III

Sofro de uma mansidão que me enleva a alma,
e ao sair do chão perco-me em muitos
- a hora do desapego é de agregação,
e os olhos estão mais abertos quando secos.
Porém
o céu é vasto e minha alma treme diante da possibilidade do infinito
- retorno então para a dimensão do efêmero.
Ainda não estou pronta pra voar...
No código do tempo a lei é dura, a recompensa pouca, mas a sabedoria é vasta. Uma hora anula outra, e uma à outra não se basta. O Agora é permanente lembrança do passado ou o anseio pungente de um sonho a ser materializado. Mas a vida segue plena, dadivosa a quem a busca. Não se deve perder tempo correndo atrás das borboletas
Num campo de girassóis deitaram-se, certa tarde, dois amantes enebriados em si mesmos. A noite os buscou aflita e atenciosa, revelando-lhes o passar de mais um dia. Mas o que é o tempo para os que mergulham nas retumbantes orlas do amor, senão um detalhe rápido e quase desapercebido ao olhar...

Entranhas I

No meu avesso vejo os meus sonhos em gestação,
as minhas ideias que se engalfinham, lentamente, pelo meu sangue,
minhas órbitas coloridas e meus tentáculos emocionais.
Pelo meu avesso caminham todas as minhas fomes,
contidas, escondidas, silentes.
Neste meu avesso mora um tempo em que não habito,
mas que se faz presente na minha boca, por inteiro.

Esfera II

A custo me vem as forças para deixar-te
um mar de perfumes de corpos, de cafés, de maresia, de estradas
a custo me vem também a saliva morna de onde me provém o sabor de término,
de acertos, de idas
não se olha para trás nas despedidas nem nos enterros
a possibilidade de retorno deve ser extinta
como a brasa que cicatriza, no ato da queima,
a latente ferida.

Esfera I

As cortinas, cerradas, são muralhas mal montadas onde penso que me escondo
do trote ansioso dos acontecimentos que se rebelam
e sem antecipar avisos me atropelam
no âmago das coisas:
o olhar que eu provocava
a carne que desejava, maldosa e secreta
a descoberta de não poder voltar atrás
o preço de tudo - a antiga paz que já não me cabe
- uma mortalha sem vãos.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

S.O.S

Penso muito em nós dois, talvez demais
e de pensar embarco em divagações que me exortam
à outros amores
melhores que você, piores que nós dois
que diferença faz?
A minha paz de espírito foi penhorada
e o lance de produzir algo de novo não deu em nada
São as mesmas flores no início, os mesmos jargões
e pelas coisas mais tolas desta vida as mesmas discussões
de pensar assim tão constatemente nesta luta em pleno cio
faço um pacto comigo que lá no fundo repudio:
não me oferecer de imediato aos desvarios das entregas
e estabelecer logo de início que tudo isso é um jogo
eu é quem tenho que seguir algumas regras
não se trata de frieza pessimismo desencanto
apenas procuro preservar-me e não deve ser espanto
pra quem já amou em exagero que se chegue a conclusão
de que o amor entre dois seres tem lá suas vantagens
e prazeres
mas também tem seus revezes e barrancos e seus trancos
olha, eu sou só eu mesma, umazinha, tenha dó
e se despida de mim mesma em sua frente dá um nó
na garganta no estômago nas ideias
preciso urgentemente do bote salva-vidas
já que este mar tempestuoso tem muitas idas, mais do que vindas.