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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

no ato de viver

estou sentada aqui com meus irrequietos sapatos vermelhos,
esperando. pretendo esperar; olharei para a gente que passa,
fingirei algum conforto, simularei estar lendo algo em lugar nenhum,
suspirarei fundo, driblando mal minha inquietação.
mexerei os dedos, como quem tamborila um samba, em plena composição,
reexaminarei o batom, pela centésima vez pelo menos, para um desnecessário retoque.
um garotinho passa e sua expressão se transfigura ao ver meus sapatos - vermelhos.
e espero. o chiclete já perdeu o sabor, uma mecha de cabelo brinca no vento,
minha perna cruza e descruza o tempo dos ponteiros apáticos.
é; o tempo de quem ama possui sua exótica e estranha batida, diretamente aliada
ao atropelo aflitivo do descompassado coração.
espero: nada me retiraria a dor e o prazer desta hora.

recado

eu suspeito que você veio até aqui para olhar pra dentro de mim e se responder. lamento.
nada de oráculo me habita e de você sei menos do que de mim.
é cômodo encontrar acolhida para o turbilhão de pensamentos e ter alguém,
que, ao menos momentaneamente, lhe diz o que fazer; mas é temporário e ilusório.
eu lhe asseguro que de dentro deste escuro que agora coabita com seu sofrimento
faz-se-á alguma luz, que dilatará grotescamente suas pupilas para depois embalá-las.
ninguém vaga muito tempo à margem da estrada ( mesmo quando o quer):
se as rédeas da sua mão escapuliram, alguém as tomará e conduzirá o seu destino.
a pergunta é: por quanto tempo pode-se viver com isso - suportar ser levado,
trazido, usado, servido, proscrito, gasto...?
não, nem adianta mergulhar em meus abismos - ao contrário do que acredita,
estou buscando, todo dia, a minha própria bússola.
uma dica: retorne ao seu coração, amorosa e humildemente.
é um aprendizado de muitas, muitas vidas.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

condenação

é de doer tanto que os joelhos da alma se dobram
e tem-se nos olhos resíduos de tempestades no mar.
passa-se a ser mera sombra de si mesmo - um desejo sem dono, um sonho estéril,
um abandono na casa de seus ais e uma habitação do desterro.
faz torcerem-se as entranhas e condoer-se da própria voz
de dor tamanha que abala até a santa calma que habita os mais serenos.
a lâmina paira sobre a cabeça ao longo de muitos dias como uma flâmula
onde se gravou a danação.
o tempo passa a ser um carcereiro sem misericórdia
e a luz do dia de uma total falta de nexo diante da negritude do coração.
a canção machuca os ouvidos, a saliva queima e todo seu eu está em transe
- um apocalíptico transe entre a pena de si mesmo
e mesmos retóricos questionamentos, implacáveis:
por que não ele? ou eu? ou nós? que foi que eu disse? ou não disse? fiz...
cansa-se de si mesmo, mas não se pode partir pois está dentro da sua cabeça,
comendo nas suas células, respirando no seu pulmão - é até uma segunda pele
mas que não descama nem se rompe quando se quer; só com o exaurir-se.
quem precisa temer o inferno quando já se conheceu um grande amor?
se presente, cresce o medo da perda - se ausente, perde-se a noção de vida.
estranha ferida da qual, purulenta, se alimenta a esperança de uma nova paixão.
a redenção dos amantes está no vício que o amor provoca.