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segunda-feira, 16 de abril de 2012

e eu não faço por menos!

ah, eu beijei a sua boca com tanta sede, tanta angústia, tanta fúria, meu Deus
uma fúria santa, perdoável, acessível, uma fúria de sons divinais e assombrada de cores.
eu perturbei os anjos com a minha chegada brusca e tresloucada - que faria eu?
sufocada numa saudade que ia me afogar, que ia me arrebentar por dentro, como quem rompe comportas.
e eu toquei você como se não confiasse em meus olhos, toquei você com dor e força,
numa urgente necessidade de acreditar que meus dedos eram reais, que estava acordada, entende,
que eu podia abrir as pupilas, dilatá-las como os gatos fazem no escuro e você...você ainda estaria ali.
eu queria entrar em você e me refugiar na sua partida, pra ir junto sempre pra onde seus pés nos levassem.
como eu vou saber se amanhã eu estarei aqui? por que o desgraçado do amor não dá garantias?
por que se morre de tanta vida, como quem submerge em si mesmo?
e eu preciso agora beijar você de novo, que eu já cobri você inteiro com meus olhos e não bastou.
eu quero a sua alma, como eu sou egoísta! mas eu quero a sua alma.
não a eternidade, não a promessa, não o eterno enquanto dure - a sua alma!

só de passagem


amado, estou saindo. devagar, mas certa da partida, eu vou saindo.
saindo da sua cabeceira, saindo da mesa na sala de jantar, saindo pelos retratos nas paredes,
saindo.
saindo sem barulhos inconvenientes, saindo como se sai de um tubo de pasta de dentes,
saindo.
saindo do cheiro do seu cabelo, saindo pelos avessos e pelos entremeios, saindo da gaveta de meias,
saindo.
já sai antes: foi melhor por um certo tempo. mas agora eu me despeço de fora pra dentro,
entende?
apaguei as luzes, dei água fresca ao cachorro, aguei a grama, bati o portão (de novo!) no meu dedo,
saindo.
eu já sai de mim, eu me chorei por horas, eu me agarrei nas bordas do meu coração, respirei.
mas ainda assim, neste ar que veio lá do ventre, saindo.
fique bem. beijos.

depois da hora


eu guardei o papel do bombom roxinho, mas rasguei a passagem de avião - eu não volto.
as águas que cercaram o vidro tentaram me intimidar, mas você pode desistir, eu digo.
nada nesta terra me é mais mistério: conheço daninhas e torrões estéreis
e em nada me acomodo no velho sofá - meu corpo mudou desde que você o abandonou.
eu tenho regurgitado muitas histórias e todas acabam amargando, como esta bile.
precisava de outros voos, outras lembranças, saudades novas.
precisava redescobrir o gosto das frutas e das noites sem expectativas.
falando nisso, até meus sonhos adoçaram...acredita?!
meus livros estão mais calados, e é verdade que minhas linhas se acham tontas e tortas.
a devastação ainda se vê, algo maquiada com um tanto de exagero no lápis de olho.
mas eu já vi horizontes mais plúmbeos e reconheci, depois deles, manhãs.
eu não volto. mesmo porque, não sobrou nada para lhe devolver.

de paredes fechadas

as janelas permanecerão fechadas - desculpe-me, sol, meus olhos doem.
não consigo mantê-los fechados sem ver você: fecho com firmeza, quase dói,
para não perder nenhum detalhe, e as sensações que sobem como quem espana pó.
percebo minha indolência e me absolvo totalmente. posso me dar ao luxo de ficar aqui,
e reconheço meu silêncio como algo que se come frio, como a vingança - no caso, isso me enoja.
não tenho mais desculpas para dar aos amigos que me chamam pra viver. só por agora,
estou stand by, compreendam. tão vital quanto beber ou respirar. só não quero
achar a vida interessante ou bonita, neste exato momento.
renuncio, pronto! abdiquei.
volto a me revestir de lençois, volto a trancar os olhos conosco lá dentro, a sós.
e aspiro avidamente o perfume que fabrico na mente, de memória
aquele que eu sempre disse a você pra usar quando fosse me encontrar.
é nele que confio, nesta hora, para encontrá-lo, aqui, neste quarto só de mim.
resisto às demoradas despedidas e longas falas - no caso, isso me assola.
sol, volte amanhã. mas, olha, sem garantias.

da verdade das coisas


eu ensaiei algumas coisas pra dizer, mas embolou tudo na garganta (logo agora)!
me lembro que ia lhe falar das lembranças boas que eu guardarei de nós
mas meu choro desbotou totalmente as imagens, e só sobrou uma borra.
eu tinha deixado umas palavras bem bonitas de sobreaviso pra tapear seu ouvido,
só que resmungaram tanto entre si que me irritaram, então as dispensei.
sabe que mesmo algumas coisas que eu tinha lá em casa quando você evaporou
se acabaram, neste tempo que tudo desfaz, lixando a superfície, consumindo (se).
e agora eu venho aqui sem imagens, sem palavras e sem coisas e olho duro dentro de você:
o que eu aproveito desta sucatada de sentimentos e mal entendidos?
nada. nada será reciclado porque não há material a ser reaproveitado.
o constrangimento desta hora me faz lembrar dias na escola em que eu não conhecia ninguém
e tinha uma vontade enorme de sair correndo portão à fora, pra debaixo da mesa da cozinha.
que pena que é só isso que me restou pra sentir na sua frente - constrangimento.
eu tirei a roupa tantas vezes pra você, mas a alma, essa nunca ficou nua na sua presença.

estou cansada mas minhas mãos teimam: querem falar neste teclado negro.
humildemente obedeço - sufocaria neste manancial de palavras
que me abrange como um grande oceano que se esvai para a terra curta e assombrada.
sou uma ilha, uma ilha seca e dura, uma ilha daquelas que se abrange a um só olhar:
não acumulei grandes segredos, nem me preocupei em cultivar nada incomum.
todo aquele que aqui se abriga conhece várias faces de um mesmo abandono
- sou uma ilha que não foi mapeada ou ornada de chamarizes - só uma ilha,
como tantas.
tenho porém a particularidade de não ter querido mais que isso (a benção dos isolamentos).
os pássaros passam, longe, longe. de longe em longe passam também outros homens
(mal os ouço).
desta largueza entre meu eu e o mundo vão conchas, rochas, mares entre mares.
agradeço a companhia dos restolhos que bóiam e me trazem notícias de lá, este vasto horizonte.
e para quem pensa com dores na solidão, nada me é mais familiar...sou uma ilha...
lembra?

sem razão pra depois


oi, meu amor...vc está dormindo? vc está sonhando? vc está andando comigo?
andamos de mãos dadas por esta sua invasão do meu domicílio, sem anúncio de chegada,
sem direito de notificação de partida? prefiro que fique assim mesmo, de olhos fechados
(sempre espero que desta forma minha alma passe despercebida e vc não me leia...)
vc sabe que dia é hoje? hoje é agora. e depois de agora eu sei lá o que veio, sei lá ao que vim
- não que eu seja complicada, assustada de vida carregada por demais ou algo assim, mas
sempre dormi com a morte na minha cabeceira, sabia?
eu só tenho este agora pra me despedir e sair de mansinho da sua história,
como vc entrou na minha - irônico, né? compreenda, eu não vim pra ficar. não viemos.
olha, meu amor, este foi o melhor agora da minha existência: reteve nele toda a essência
de meu sentido de ser, de minha razão para estar, de minha certeza ao partir.
que vc seja confortado neste seu sonhar que eu não adivinho, nestes dias que virão.
com alguma sorte, até de olhos abertos, não terei deixado significantes lacunas.
tchau, meu amor. acorde bem.

um dia para ti


imprescindível dizer-te deste céu por demais azul.
clareou meus olhos como quem naufraga em luzes: sorri pra nada
e pra nada meu coração cantarolou até me comover, como só ele o sabe.
as passadas eram largas, descomprometidas da ritmica da prórpia vida
e meu respirar nunca me pareceu tão impessoal, uma sensação única:
por breves lapsos, não estava em mim.
cantavam - nalgum lugar, juro-te que cantavam
e percebi que estar viva dentro de um dia assim poderia ser uma benção!
logo eu que me enamoro fácil da ideia de sair daqui.
surpreso? eu estou, confesso-te francamente. mas não arrependida.
arrependida não, que eu como palavras como quem saboreia manjares
e transpiro a poesia das horas, alargadas pelo riso espontâneo
e este mar indomável que me assola as terras da alma.
dedico-te este espaço no meu pensar: espero em gozo
outro dia assim. faltando-me apenas tua face dentro desta alegoria.

pé de quê


nasceu um pé de algo verde entre o rachado do portão e a rua.
não se mostrou de princípio flor ou mato, só crescia em verde.
espichou folhinha: ninguém que adivinha se é bom ou daninha - ninguém.
guardou segredo de suas sementes e resistiu aos pasos que transpunham
a calçada, a porta de entrada, os alagados da rua.
curtiu o sol, podia-se ver! caiu de alma na chuva.
preocupei-me se esbarraria na grade e se feriria, mas não:
mais esperta que todos, driblou a morte e teimou crescer.
espichou uma galhada tímida, a princípio, mas logo debochou
e deitou tantas folhas que virou arbusto de coisa sem nome,
porém respeitada, para incompreensão absoluta do jardineiro
que não entendia, de maneira nenhuma, porque um pé de nada
tinha direito de estadia em nosso portão.
pobre jardineiro! nada nasceria mesmo naquele seco solo de seu coração.

coisa de pele


eu conheço seu cheiro. veja bem, não falo do cheiro
da sua loção de barba, do perfume que é usual, do aroma dos cabelos.
seu cheiro: uma sua digital, inconfundível quando saboreio desde longe.
sério - que seu cheiro mora embaixo da sua pele, emana de antes dos seus poros,
antes de seus olhos falarem ou sua boca mexer num arremedo de palavra.
antes vem este seu cheiro único, que me traz das cavernas de mim,
que me alumia a porta do túnel, que acorda a minha alma pra sair.
e quando saio me recebe se entranhando em mim como um presente.
seu cheiro as vezes chega doce, as vezes por demais e de repente; assusta!
e me prende sem correntes ou cordas, sem maiores preocupações ou explicações.
se apoia sobre mim como se eu fora o cais, mas eu sucumbo, admito:
só quero mais e mais e mais, como quem se embriaga de bom vinho.
sem fartar-se.

eu não tinha nada pra fazer a não ser me ferir.
portanto, vasculhei todas as nossas caixas e dispus fotos e mais fotos
numa extraordinária pilha no centro da sala. sentei-me.
e sentada, chorei. de novo. eu, que secara em mágoas enterradas a fundo.
abracei aquele ramalhete de relatos em imagens esparsas e, com todas as forças,
tudo lancei aos ares, com impulso, com raiva, expirando forte!
vi sobre mim choverem lugares de revistas, cenários de sonhos, lembranças de dor.
e sobre os espantados móveis despencaram aqueles retalhos de vida,
atos das nossas peças, sem cortinas agora. agora, sem público.
caíram sobre o tapete, álibi de tantos arroubos;
sobre o chão frio, que conheceu nossas peles tão bem;
sobre o seu sofá favorito, gasto como todo o resto desse sentimento;
sobre a arca, entre outras fotos, estas, em porta retratos, imaculadas.
caíram sobre mim, como se alguma redenção me viesse disso.
fechei os olhos e me feriram, quando me tocavam com sua presença,
com sua lembrança, sua baça configuração.
pisei-as, beijei-as, deitei-me sobre elas e ri de mim. de nós.
somos papel. menos: somos uma impressão num pedaço de papel.
e por isso se sofre. por isso, se morre um pouco, bem devagar.

coisas do amor, sabe?


antes que este dia termine pra quantas pessoas você dirá "eu te amo"?
pra quantas diria? e quem mesmo sem receber de volta nenhuma garantia
se atiraria ssim, de braços escancarados ao Amor?!
pois eu lhe asseguro, meu querido, que não outro jeito, outra forma,nada de garantias,
nenhuma mandinga, nenhum macete que lhe dê retorno para iisso que deve ser
distribuído de graça, cultivado sem reservas, tratado dentro do peito num carinho só.
e por si mesmo como planta na terra boa ele lança raízes e promessas,
ele cultiva em si mesmo fruta doce e fruta azeda, colheita farta ou ausência de flor.
Amor.
farto, feito, eter, corte, pedra, nuvem - simples assim. sem dono. sem hora. sem volta.
mas só presta se for sem fim!

das dores de um só



meu amor acobertou-me em dunas - cobriu-me de seu fino pó...
ressecou-me as entranhas com a suavidade dos ventos marinhos
e dourou-me um implacável sol, de mil estrelas.
meu amor escondeu em mim um tesouro incomensurável
e guardei por décadas minha sede de seu hálito.
vi passarem animais e dei-lhes sede e cansaço de um corpo vazio
mas que revela sua fonte mais dadivosa a quem vasculha seu ventre.
vieram as histórias contadas de boca a boca pelos viajores
e os pés que marcavam-se na brasa de meu confuso coração;
vieram as canções ungidas de solidão e desejos, que rasgam a noite
como quem de uma mulher rompe o translúcido véu.
pontes sumiram, trilhas se perderam, rotas jamais vieram a tona.
marcas mais antigas que a própria lembrança do tempo
ornaram-me a fronte.
que é a morte, quando se é deserto?
que é a vida, quando se desconhecem oásis?
e meu amor, lavado em brumas e tempestades frias
jamais voltou para buscar-me de meu destino de seca.
ardo. clamo. choro.
mas nada disso se vê ou se ouve entre as areias.

sinais


me estenda na janela a bandeira branca e acene com os olhos
- eu saberei como voltar.
não fique esperando nas nuvens que cruzam espelhos ou debaixo da sombra
- eu saberei que é preciso voltar.
nas chuvas não haverá mapas nem nas areias signos místicos.
- serei apenas eu e esta certeza incômoda no peito, como um pássaro
engaiolado
calado
de asas que aguardam céus e seus desdobramentos fáticos.
me espere na próxima estaçào, com ou sem flores ou folhas suicidas.
me espere na saída do dia, na gargalhada das estrelas, na sua cumplicidade
com o rio, com a forma, com a sede de nós.
eu saberei, você descobrirá, nós revelaremos ao mundo.

nas bordas da vida

hoje a dor me visitou. de novo.
não é exatamente uma surpresa, sabemos todos.
é bem comum a tudo que habita estas terras a chegada de tal senhora.
mas veio de chofre - odeio quando me toma assim, desavisada.
ela me percorre, rompe toda a superfície, revelando-me mais sobre mim do que tudo:
medo, revolta, paciência, indolência, humildade, singularidade...enfim.
curiosa, investiga todos os quadrantes e ao sentir seu caminhar ponho-me atenta
os pelos erriçados, a pele umedecida, as pupilas dilatadas.
sei também que não tem pretensões de ficar - ela não pode
tenho meus meios para expurgá-la - e isso só a excita mais por vezes.
quando estou prestes a perder a batalha, mas por um tanto mais revido,
é quando ela cresce, me humilha, submete, só porque pode.
é peculiar esta sua visita. ela é a unica que, quando se vai, me deixa diferente de quem eu era.
sempre isso. talvez porque saiba, conscientemente, que voltará. e isso é uma certeza.
das poucas certezas que esta vida me legou.
até lá, finjo sua ausência. finjo minha impenetrabilidade. finjo que é dos outros.
assim lidamos com o que não podemos impedir - sonhamos.
até que o alarme soe uma outra vez.

colapso

é precioso presente a tua estada comigo. tua clareza de riso. tua fonte de cor.
é precioso, estou ciente, que me tomes as mãos e cantes pra mim a cantilena de sonhos.
as ruas estão mais quietas, desde que chegaste. calei-as, para ouvir-te o coração.
sempre soubeste me filtrar o olhar e tirar de mim o meu melhor. invejo-te a generosidade.
é precioso que me toques os lábios e o chão suma, o tempo pare, o corpo grite, a lua morra.
e tu entre meus seios me cante, novamente, os versos que me fazem querer viver mais.
entre teus dedos meus dedos e minha confusão entre tuas pernas e braços: a morte no gozo.
nada pode ser mais vívido que esta hora, mais delicado e frágil diante dos anjos e dos homens.
e porque é precioso, precisas ir. e porque é precioso, necessário que eu chore.
a compreensão da beleza repousa na transitoriedade das coisas que se partilhou.
minha vontade de amor me manterá viva até o retorno de minha alma. volte, pois.

nada versos nada

já comeu sem sabor? olhou sem ver, ouviu sem escutar, tocou...sem sentir?
você já esperou a festa e quando chegou ela passou sem se entender?
quantas vezes tenho a impressão que estou em um intervalo entre o estar e ausentar-se
e a vida me parece um palco onde assisto aos outros.
pode ser só cansaço - das coisas diárias, dos mesmos rostos, da mesmice falada
na mídia, na rua, em casa, dentro da minha nada clareada cabeça...sei lá.
mas o fato é que parece que algo se desconectou, se rompeu, se interrompeu
(explica bem melhor - se interrompeu!)
estou astronauta flutuando nesta cena de aspectos tão bizarros que até desisti
de entender, de explicar, de participar das tragicomédias. é. é mais ou menos por aí.
leio mas não vai além dos olhos. cheiro mas fica retido nas narinas. provo, sem engolir a saliva.
eu dormito entre os atos. imagino um final que não chega acontecer. e se acontecer, provalvelmente,
não vou vibrar como me sinto cobrada a corresponder. acho que parei. parei em algum lugar...
mas onde?

Quando o desejo canta

que som faria um desejo?
dentro da noite cerrada, a pergunta me embargou a voz.
que som ele emitiria, o desejo?
som de canto de sereia, som de ponto de exclamação,
som de sirene de alerta, som de água que batiza a seca, som de tamborilar de coração...
som de grito reprimido e liberto, som de amor redescoberto, som de suspiro ungido
nas doces promessas do coração surpreendido pelo desenfreado querer...
que som teria este adorado sabor senão o de quero de novo, quero mais intenso, quero.
e as catedrais internas desmoronando em repicar de sinos distantes, estravasando
as torres da alma, os píncaros do espírito...
som de entrega. som de enxurrada. som do bom!
Dentro do dia sem dono sou passarinho disposto ao cantar. Tempo me traz, tempo me leva, as asas cansarão de espaços e me repousarão num galho de fruta boa e a vida me parecerá muito leve e muito fácil, como se imagina, doidamente, que é a sina de passarinho, que desvia da pedra e se safa da mão pesada de menino. Chuva me benze, terra me acolhe, encolhido, quando numa nota suspiro abraçarei de vez este "ceuzão" de meu Deus... Ai volto anjo, que os homens precisam muito de colo de passarinho...
E este tempo das coisas que desliza, suave e ininterrupto. Esta tarde morna entre céu e capim limão, onde o vento se despede sem olhar para trás. Este olhar parado entre o ontem e o agora, sem se decidir se segue ou se demora mais na lembrança doce. Este calor do seu peito, este bater perfeito e ritmado do seu coração. Como a vida é breve, meu Deus... (Abril, 2012)
É assim que me afeta: sinto-me como se caminhasse sobre vidro. No paladar a angústia da suposta queda, a dor da lâmina vítrea que talvez experimente a carne, o abalo do coração em flashes de recordações não vividas (sonhadas, amadas, mas não vividas). É assim que me afeta: piso sem intenção de acordar os deuses - ou os demônios... (Abril, 2012)
Eu verei você quando meus olhos estiverem anuviados, pois seu rosto mora em minhas mãos. Eu verei você quando as maçãs flácidas acobertarem sua pele, pois ali plantei meus melhores beijos. Eu verei você quando cabelos brancos lhe ornarem a cabeça, porque vezes sem conta acariciei estes fios. Eu verei você quando caminhar como quem já não pisa sobre as pedras deste mundo, pois suas pernas me sustentaram uma vida inteira quando prosseguir no caminho foi difícil para mim. Eu verei você além das mazelas do tempo, além das marcas da história, além de meus olhos e de seu rosto - eu verei você com este Amor intemporal que nos perpassa. (Abril, 2012)
Feito o estrago, estabeleça o preço:
uma suposta "deliciosa" solidão eleita companheira, que não convence a mais ninguém - nem a você;
um travesseiro agridoce de constância de lágrimas, enjoado;
uma roupa de vítima rota, esgarçada, demodè,
e que sinceramente nunca lhe coube;
um frio na barriga temperado à raiva daquela foto
que você amassa, cospe...e depois torna a guardar;
um medo que não lhe cultivei, um sofrimento que não lhe semeie, um abandono das coisas que se nutriam por si só;
uma culpa que lhe arqueia os ombros, onde se estabeleceu o resto de uma vida toda para um indigesto "se".
Feito o estrago, estabeleça o preço. E aí pague. Mas ungido de alguma dignidade, faça-me o favor. (Abril, 2012)
Não se permita olhar para trás - pode doer. Fiquemos assim, no espaço de cada um agora anunciado. Certeza? Não, não tenho. Ora, são tão esquivas, as certezas. Escorregadias como rãs. Mas a escolha se firmou por si mesma, se assenhorando dos fatos, dos atos, das dores e rumores. Devo confiar em algo que cultivo há tanto... Então eu olho aqui pra dentro e passo a perceber outros espaços, que temo, confesso, mas que reconheço como sendo meus. Como quando se cai do ninho. Como quando se vai sozinho pra escola. Como quando se toma um ônibus, pela primeira vez. Assim, olhe pra trás não, que eu já me esvaio em angústias muito pessoais e acostumar-se assim, a si mesmo, requer um grande esforço. Dei o primeiro passo. Orgulhe-se de mim. (Abril, 2012)
São nas minhas cavernas que sussurram, como se fossem trovejar poemas, meus sufocados apelos de entendimento pelas coisas que por mim escoam, na fúria dos dias na aldeia dos homens. Nas minhas cavernas coloquei frases minhas e de tantos outros, que meus ouvidos rebuscam e os conselhos dos anciãos. Minhas cavernas tem paredes lixadas à unha, tem pinturas feitas de borra de lágrima, tem solo de cheiro doce e suave ao toque do visitante. Minhas cavernas abrigam e salvam, a mim mesma, das grandes marés e me devolvem depois, generosas, o ar e sua umidade, o dia e suas novas histórias. Conforto-me porque elas estão lá, e apesar de não terem portas, só os a quem convido se atrevem. Minhas cavernas tem túneis para o céu, mas inventam purgatórios.