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quarta-feira, 18 de julho de 2012

papel




era destas coisas que se descarta num momento de raiva e desprezo pelo peso dos dias
em que se dormiu no braço do outro e que o outro era verdadeiro:
um papel com um rabisco de delicadeza. 
é uma dor quase enjoativa olhar o passado de frente. uma dor que dorme na alma e acorda latejante.
por momentos eu me irritei de tal forma comigo mesma que me quis morta.
a minha capacidade de benevolência só não a exerço comigo.
é tudo fantasia, é tudo serpentina molhada em fim de baile, é tudo confete descolorado - 
e eu sei. pior que eu sei. 
mas minha humana face pede espelho, pede maquiagem, pede alegorias.
meu coração bebe alcoolatramente suas mentiras fáceis, seus carinhos toscos, suas voltas, 
dramáticas voltas que me enlouquecem e premiam.
no meio da confusão de meus sentimentos, tão amassado e marcado quanto meu amor
o papel descartado voltava à tona no meio do lixo que eu descartava naquele dia.
e, grotescamente, quase que shakesperiana, beijei-o, lixo e dor,
beijei-o. e o coloquei entre folhas de poesia de Cecília Meireles




eu sangraria na sua canção, seria tão bonito...perderia o bom senso cada vez que me beijasse a nuca, fosse onde fosse, com e sem platéia. eu me recordaria de você com festa nos olhos e calor entre os braços. eu acertaria em cheio quando me perguntassem de que música você gosta mais, seu sorvete preferido, sua cor eleita. sua boca teria sabor, um indiscutível sabor de insaciedade. sabe, eu poria você como adorno sobre meu peito e ostentaria este amor como quem carrega um buquê de rosas rubras e frescas. eu mesma seria rubra e fresca, pra sempre. como se pode ver alguém tão além de si mesmo? como se pode ter alguém em tal reduto do coração, num altar? como se pode morrer vivo, escarlate, sem pele... 


Eu nunca sonhei. Nem de olhos fechados. A vida cuspia na minha cara todo dia, todo dia, como num verso ensaiado. E as coisas que eu pensava não iam além de tentar chegar íntegra ao dia seguinte. Eu tenho sulcos fundos na face, porque não se pode ver as pregas da minha alma. E se as mãos me denunciam a idade, a vitalidade dos olhos zomba despudoradamente do tempo que me consome. A rua me consola. Me dá algo que respirar, algo com que lidar além das paredes exatas. Por isso, não raro fujo para as calçadas e transeuntes incógnitos. A vida me deu braços firmes e ombros largos, bem largos, que de uma margem a outra não se vê. Carrego portanto um rio de arrebentações pelo corpo em uso. E sempre que me sinto dobrar, penso no capim que o vento primeiro afaga,depois roça-lhe a pele no chão, faz provar do baço da poça de água, mas ele retorna ao porte original e se agita ao sol, em glória. Já tive mais fome, até dentro das horas. Já tive mais medo, até dentro das vísceras. Agora tenho mais sorte: os dias nunca são iguais e descobri que jamais serei a mesma no próximo por de sol.Descobri sozinha, que caminhos a gente abre.