Total de visualizações de página

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sentença

Suplico
que as luzes fiquem acesas
que a mesa fique posta
que a tv fique calada
que a toalha, ainda molhada, se esqueça
sobre a cadeira da sala
suplico
que os ruídos de fora
sejam orquestrados
pelos ruídos internos
que as janelas embaçadas
permaneçam cegas
ao tudo ao todo a todos
suplico pelo desgosto
de doer só
uma ciência a arte de só ser
que eu vou aprender
demora
mas vou aprender
suplico
pelo direito de estar
e de ficar por aqui.

Encilhada

Entregue à intempéries
sem a muralha de seu sorriso
oscilo
quando penso nas grandes distâncias
tenho ganância de posse
afã por mais desejo
nunca me houvera antes
submetido à paixão
desço degraus de joelhos
mordo meus próprios dedos
arquejo
cabe em mim agora o infinito
e estou prenha de estrelas
a instabilidade de seus olhos
me afoga e me redime
escrevo cartas que queimo
e vivo mais em meus devaneios
do que
em minha tramatura real
seu cheiro está impresso
em cada de meus gestos
quase sofro esta presença
- um no espaço de dois
me sinto diáfana me sinto megera
e tenho uma fome inusitada de por-de-sol
e madrugadas regadas à vinho e à sono atrasado
Sem escapatória diante de suas mãos
uma ave rendida que arranca as asas
um buraco que insolente traga
minha suposta lucidez
e talvez
mas só talvez
alguma recompensa
por uma entrega
em delinquente rendição.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Acuada

Vocifero aos céus
sou besta sem pasto - agonizo
sintetizo meus sonhos a um amarrado
de fugas e desculpas sem destino
eu não sou um instrumento preciso
minha mão oscila resvala e fere
na abertura das possibilidades
pressuponho escolhas antevejo falhas
a renúncia que acompanha
toda espécie de seleção
as minhas orações voltam pra mim
sou eco de meus desterros pessoais
e a imagem que fica
é um presságio um plágio
do espelho que me mira descrente
ando pela alma dos que me rondam
sem pouso sem pausa
a insatisfação amarga o doce presente
da entrega
da maquiada calma.

Possibilidade

Vira e mexe, mexe e vira me transtorna
esta maresia morna de rotina intermitente
como água insalobra ingerida
insistentemente
como estar na vida e não ser viva?
acaso ocorre aos passantes que o sangue pulsa
e o peito treme e a carne germina
e a hora é urgente e daqui a pouco termina
o espetáculo?
medo de cortina aberta de asa desfraldada de vela apagada
medo de estar presente e ciente
do corpo amado da porta aberta da cilada
medo de ser tudo e perder nada
intransigência com a generosa estada
no universo
inverso ao ditado que determina
que quem tudo quer tudo perde
isso não é sina pra ser observada
boca calada não frutifica idéias
e quem tudo quer nem sempre pode e daí?
sonho acordada as histórias malfadadas
e nem por isso me abstenho dos finais
aliás, que pouco gosto quem não atiça o paladar
diante do desconhecido por medo de onde vai dar.

Plena

Peço permissão aqui
pra deixar de lado as minhas sedas
minhas sutis delicadezas
que fazem de mim boa menina
permitam-me mas vou soltar as crinas
e resfolegar enquanto corro doidamente
pelos beirais
e gargalho doida e santa
em devoção irremediável ao momento
lamento se provoco algum desconforto
aos velhos manuais e se olham torto
grito que quero é mais
minha brusca consciência da verdade
inserida na pele dos viventes
de que uma vida é mais do que suficiente
para se saborear do aqui estar e não mais tarde
estou plena de emoções grávida de êxtase
tomo a forma das monções que varrem os desertos
e arrancam a grossas unhas da terra os rebentos
celebrando em tudo a mesma hora
eu me permito aqui, aqui mesmo e agora
gostar de estar viva e onipresente
em cada gesto meu
imensamente.

Couer

Vasto é este meu coração
rico em contraditórias paisagens fértil de esferas
numa incólume observação de cenas e ensaios
permanentes
exita oscila se esmera
troca de roupa na frente da platéia sem maiores disfunções
cora esmorece desfalece
tem pressa na entrega tem remessa atrasada
este campo tão amplo de memórias destonadas
de canções revisitadas nos momentos sem trégua
nas suas tantas irrefreáveis paixões
poço sem água encharcado à vinho
enebriado expectador diante da mera visão
de um novo promissor amor
folhas de verão cobrindo meu querer
com uma sempre nova proposta de cor
este oceano enganoso que calmo e convidativo se apresenta
é fera submersa violenta na fome de mais
um pouco mais
meu coração não é de paz é de guerra de vida
se abre em ferida e desabrocha em rosa original
Esse meu amado coração
é o marginal de minha alma.