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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Figuras urbanas V

no vidro largo e espesso balançam um rosário gasto
e um promissor sapatinho de bebê.
a idosa o olha desconfiada e atrevidamente: sabe seu direito
e resmunga para um rapazinho que aquele é um lugar reservado
ele volta sua atenção aos inúmeros veículos impacientes que o cercam
buzinas atordoantes e vacilantes bicicletas, à moda de frágeis libélulas
vêm sem aviso, de todos os cantos
o cansaço reclama sua cota do dia e suas costas doem
pois afinal doem-lhe também as pernas, longas demais para espaço de menos.
a cada toque da campainha, o imediato reflexo, o reconhecido ponto,
o adestramento eficaz.
rasga o motor uma lamúria estremecente, quase o comove
a caixa de marcha que reclama a graxa e os cuidados de anciã.
não comeu bem, olha impaciente o relógio
enquanto aquela campainha de levantar defuntos do asfalto
ressoa ameaçadora dentro da sua cabeça.
afrouxa a gravata - que o fiscal não o veja
pega, fora do ponto, uma grávida exaurida - Deus há de compensar
mas se não compensar...que é que há? também tem mãe.
poderia morar dentro daquele uniforme, daquele motor, daquela garagem
tanto o tempo que passa entre as engrenagens e pneus
esta noite dormirá pesado, como os sulcos de seu ônibus sobre o asfalto.

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