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quinta-feira, 24 de junho de 2010

A Casa da Vovó Carlota - escrito para minha avó, em 2000

A CASA DA VOVÓ CARLOTA



Do que eu mais gostava , quando criança,
Era fugir para lá.
E do que tenho na lembrança,
Prá vocês eu vou contar.
Era uma casa bem grande,
Antiga e muito arrumada.
Cheia de vidros, livros, armários,
Brinquedos de épocas passadas.

Pelos corredores, prateleiras
Escondiam fotos, moedas, compoteiras.
No sótão o baú com revistas e pesados discos
Mostravam lindas moças e baladas esquecidas.
Nos quartos e salas o cheiro de limpeza.
Na cozinha sempre aceso o fogão à lenha
Que parecia, noite e dia, estar preparando alguma guloseima...

E dali saíam bolinhos, pastéis e nhoque,
Saía bolo mármore, de laranja, de baunilha
Que a vovó, dentro da bacia, a massa batia
Com seus braços gorduchos e fortes.
Sempre sobrava um suspiro, uma goiabada, um doce de abóbora
Para quem ficava por perto, com cara de pidão.

No quintal a festa era nossa,
Que armávamos todo tipo de travessura:
Corríamos com o cão, trepávamos nas árvores,
Caímos pelo chão, pegávamos as frutas.
Tinha galinheiro, com galinha garnisé,
Que é pequenininha, mas braba também!
Tinha a horta, com couve, ervilha cheirosinha,
Pé de feijão, alface e almeirão.

Tinha atrás da casa o morro,
Que a gente escalava arriscando o pescoço!
E escorregava de bumbum, sujando a calça
E perdendo o direito à sobremesa, depois do almoço...

As novidades nunca tinham fim.
Sempre havia um livro que ainda não se tinha lido,
Uma boneca que fora da tia quando menina,
Uma foto de gente que já se havia ido,
Um bordado que a mãe, há muito , havia feito.
Caixinhas guardavam brincos, pingentes esquecidos,
Santinhos de batizados e festas que tinham acontecido.

De tudo isso, do que eu mais gostava,
Era da vovó Carlota! Nada daquilo a ela se comparava...
Era gorduchona e tinha bochechas bem vermelhas,
Usava avental xadrez e blusa com bolinhas,
Uma saia comprida lhe cobria os joelhos,
O cabelo era preso grande coque que deixava ver, nas orelhas,
Brinquinhos de ouro.
Só usava chinelos, baixos e macios,
E quando gargalhava, balançava a barrigona!

Nos bolsos do avental sempre estavam balas ou bombons,
E nas suas mãos cresciam as frutas, os animais e as crianças.
Quando ralhava, era pra valer.
Ficava “de mal”e tudo, precisava ver!
Quando a gente se machucava, curava com beijinhos milagrosos
Mas passava um mercúrio, por via das dúvidas.
Tinha sempre uma história do seu tempo de criança,
Quando usava longas tranças e vendia leite para ajudar os pais.

Vovó também falava alemão, e a gente nada entendia
Mas gostava de ouvir e ela repetia
Canções e poemas que decorara naquela língua estranha.
Quando ia ao galinheiro nos levava
Ensinando como alimentar as galinhas e pegar pintinhos
Se colhia amoras, era geléia que faria
Se colhia flores, enfeitaria a sala.

No seu colo fofo eu esquecia as horas
Ouvindo sua voz firme, mas macia
E o seu cheiro de alfazema ficou-me na memória.
Cresci eu, minha irmã cresceu
No colo da vovó, a gente já não cabia
Foi quando Papai do Céu tudo percebeu
E resolveu que a chamaria
Porque os anjinhos precisavam do colo da vovó
De suas histórias e risadas
Dos quitutes que fazia
E levou-a para o céu num dia de muita chuva.
Com certeza ela botou ordem lá por cima,
Mas ainda manda beijos cá prá baixo, pois sinto o seu calor...
Sei do quanto eles gostam de tê-la por lá
Porque eu pude crescer graças ao seu imenso amor!

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