Total de visualizações de página

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

lições de minha nona

eu trouxe minha avó morta no peito quando a vi pela vez derradeira.
trouxe aquela mulher de aço diluída em areia e memória.
nem pó da mulher altiva, forte, formosa e guerreira, que fez o mundo a engolir.
trouxe minha avó numa tarde em que o céu despencava numa chuvarada
que lavava as ruas, as favelas, os bancos da praça e toda, absolutamente toda
a minha desmembrada alegria - foi quando descobri que a alma sangra.
trouxe-a muda de suas músicas alemãs, paralisada nas suas idas ao quintal,
hirta em seus braços que rachavam lenha e cercavam nossos corpos.
eu trouxe a minha avó, no auge de seus 92 anos,
corada, briguenta,suada, sorvendo a vitalidade de tudo que pudesse tocar e produzir
apenas mortal.
me enterrei aos cacos ao longo de dias contados nas lágrimas, com ela.
briguei com a fé, com a crença nos homens, com a seiva da vida que amargou
de repente, quando a vi sendo levada como ela nunca deveria ter partido.
eu ainda a trago - mas ela jamais me perdoaria se eu a carregasse,
muito menos, assim; trago-a como ela foi
- mãe, mulher, doceira, artesã, amante, alfabetizadora, tia, avó, filha.
rica demais, plena demais, viva demais, pra ser reduzida a um rasgo de dor.
ela me ensinou mais na morte do que já ensinara por toda uma vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário